"O personagem vive a vida, que devia ser a nossa, a vida que recusamos. Outra verdade, que julgo definitiva, é a seguinte: a alegria não pertence ao teatro. Pode-se medir a força de uma peça e a sua pureza teatral pela capacidade de criar desesperos. O teatro ou é desesperado ou não é teatro".
Nelson Rodrigues

domingo, 30 de novembro de 2008

A menina e a nuvem

(Quinta-feira , 09 de Março de 2006)
Certo dia uma rajada de vento soltou a menina no mundo... desde então ela é sozinha. Nem por isso deixou de ter medo do escuro.
Toda noite antes de dormir ela chora, e sua noite se torna a mais negra do universo. E então ela morre algumas vezes antes do amanhecer.
A menina é um baú. Guarda em si brincadeira de roda, pé de jaca, bicicleta, beijo roubado, marmelo... Guarda também toda a tristeza do mundo – por isso a chamam de menina triste.
Com receio de que o mundo descobrisse sua tristeza, a menina resolveu construir um castelo de areia – no entanto, a cada lágrima sua, a areia, matéria fina, se desmanchava. Exposta em carne viva, a menina se sentia muito, muito feia. Ainda assim era bonita, afinal, o que seria das rosas sem seus espinhos?
Menina sonhava dia e noite, noite e dia e foi assim que se apaixonou pela nuvem. Viu príncipe encantado em cavalo alado, espada, castelo e até fadas! Mas a nuvem era só nuvem e não entendia sua brincadeira de criança. Como todas as outras nuvens estava ali só de passagem. A menina não sabia. Cismou com ela e chegou a construir asas para tentar alcançá-la. A cada tombo a menina media a distância entre o céu e a terra.Teimou em pedir para que a nuvem descesse, mas essa, com toda sua altitude, não quis ver de perto o chão: preferiu ficar ali no céu mesmo, pois deste modo podia olhar a menina e o mundo todo, e podia se apaixonar por todos os seres existentes.
Mas Menina, em sua pequenez infantil de olhos miúdos, só olhava a nuvem.
Foi então que chegou o dia que os ventos já haviam assoprado: a nuvem partiu. A menina continuou olhando pro céu. Estava escrito, mas mesmo assim a menina chorou.
Para a nuvem aquilo tudo era muito estranho. Não entendia os sentimentos humanos, e, dentre eles, a tristeza e o sofrimento eram os que mais a intrigavam. Inquiriu o choro da menina. Esta não pode responder, mas era certo que chorava por sentir-se só. Então a nuvem achou que o choro era chuva. Só que o choro não era chuva.
A partir desse dia, a menina chorava o dia inteiro, mesmo quando seus olhos se recusavam a contar essa verdade para o mundo.
Jurou esperar a nuvem voltar...
Disse que já ouvira falar do amor de um principezinho e uma flor...
Desenhou a nuvem em folha de papel que se desmanchou na água...
E continuou esperando, mas a nuvem, essa coisa da natureza, preferiu não surpreendê-la.
A menina disse pra si mesmo que ia morar num trem para seguir a nuvem ali de baixo...
E depois adormeceu.

Um comentário:

Fernando Montuan disse...

muito bom , gostei muito, tenho um texto de minha autoria em meu blog que retrata também a relação de uma menina e a sua nuven, acho que vai gostar de ver :D
[ http://i-hatemornings.blogspot.com/2011/03/menina-e-as-nuvens.html ]