"O personagem vive a vida, que devia ser a nossa, a vida que recusamos. Outra verdade, que julgo definitiva, é a seguinte: a alegria não pertence ao teatro. Pode-se medir a força de uma peça e a sua pureza teatral pela capacidade de criar desesperos. O teatro ou é desesperado ou não é teatro".
Nelson Rodrigues

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Vacinada

Após colocar um pouco do líquido laranja na seringa - mais parecido com aqueles xaropes que vez por outra tomamos durante a infância - a enfermeira cuidadosamente disse: "temos que injetar no antebraço, perto da articulação". Afirmava que o procedimento era absolutamente indolor, mas apesar disso, suei frio. Afinal, fazia bem pouco tempo, tinha completa fobia de qualquer procedimento injetável.

Depois da fobia,é certo, veio um estranho prazer por vacinas atiradas no braço como dardos, vacinas certeiras, que reduziam a dor a um sentimento pontiagudo. Quando descobri isso renovei toda a caderneta de vacinação. Resolvi tomar todas as vacinas disponíveis no mercado para os adultos. Eram poucas, e agora queria mais. E então, o sonho.... A enfermeira dá três petelecos no líquido denso e crava num espaço milimétricamente calculado entre alguns vasos e artérias...Pimba.

Levo algum tempo até me dar conta de que posso respirar normalmente, e que prender a respiração é um refelxo tão arbitrário e inútil nos momentos de dor intensa, que tem como única consequência o desfalecimento. A enfermeira retira o êmbolo, rasga um pequeno saquinho que contém um líquido viscoso e translúcido, e começa a diluir com uma colherzinha o líquido laranja, enquanto joga nele o conteúdo do saquinho. E a agulha lá, encravada. Ao perguntar o motivo daquilo tudo, ela me diz: "E contra a difteria, o governo está preocupado pois a população não aderiu à campanha". Penso com os meus botões: "Claro, quem vai aderir à esse ritual masoquista estúpido?". Acordo antes que a gentil enfermeira terminasse o procedimento...